terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ciganos

Um dia, quando eu trabalhava em um dia quietissimo, o meu chefe recebeu uma ligacao de outro gerente de um dos pubs locais avisando que os "Gypos" estavam na area. Ele repassou o recado a outros, como numa brincadeira de telefone sem fio - que nao deixa de ser, o celular - e fechou as portas do bar as 9h da noite.
Perguntei a ele porque raios ele estava fechando o pub tao cedo. Ele respondeu que havia um grupo de cinquenta gypseys - em bom portugues, ciganos - e que a gente nao podia vacilar. Segundo ele, esses caras sao problema: entram nos pubs e roubam coisas, provocam brigas e nao raro, saem quebrando cadeiras e outras coisas.
Vimos passar uns quinze na frente do bar, que deram com a porta fechada e soltaram uns nomes feios pra gente.
Isso me parece musica dos Saltimbancos: "Proibida aos musicos e aos animais". Ou a verdade verdadeira do que aconteceu aqui ha cinquenta anos, quando era possivel ler nas entradas: "No blacks, no dogs, no irishs" (ou "proibido aos caes, negros e irlandeses").
No Brasil eu achava que pouca coisa me chocaria em termos de relacoes sociais. Digo que nao passou pela minha cabeca que Londres poderia ser mais violenta ou mais preconceituosa do que a minha Bahia. Mas as vezes, eh.
Eu sei que uma tarde, vi quatro meninos entrarem no bar e percebi que eram gypos. Na maioria das vezes e facil reconhece-los: sempre em grupos, falam com um sotaque engracado e usam umas roupas diferentes, falam alto e riem muito. Se o grupo misturar mulheres e homens entao, fica moleza adivinhar: eles nunca sentam juntos. As mulheres sentam numa mesa e os homens sentam em outra.
Meu chefe nao estava, e eu fiquei olhando os meninos jogarem sinuca. Cada shot espetacular. Nunca vi ninguem jogar assim. Era brincadeira pra eles. Entre uma jogada e outra, um deles vinha pedir uma agua ou uma coca-cola diet. Falando comigo, o sotaque mudava para um ingles compreensivel. Muito simpaticos e festivos, eles acabaram o jogo e seguiram caminho, talvez para outro pub que provavelmente nao teria uma brasileira curiosa pra deixar eles em paz.

Alvorada, que beleza

Sao sete e quinze da manha e eu acabo de olhar pela janela. O dia ainda nao chegou, tudo escuro, ceu de nuvens pretas e uns timidissimos raios da alvorada.
Acordei as 5 e meia hoje porque dormi cedo demais. Agora nao consigo mais dormir, ou conseguiria, mas nao vou tentar com medo de so acordar as duas da tarde - nao duvidem que isso seja possivel, o frio embala o sono de uma maneira que acho que eu poderia dormir dois dias seguidos sem perceber.
Ontem fez -3, -4 graus e eu perguntei a meu chefe se nessa terra nao neva. Cade a neve, Frank? Ele respondeu com a sabedoria dos nao tropicais que pra isso acontecer e necessario uma dramatica mudanca de temperatura, e um pouco de umidade... Vivendo e aprendendo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Zem zair fumaza da boca

O tempo esquentou. De dois, tres graus nas ultimas semanas, o clima passou a contar quase 9 nesses dois dias que passaram. Mas meu amigo me falou que isso e um sinal de que vira neve esse ano, porque quando o ceu da essa tregua, em breve mandara brasa!
Mas ao contrario desses ingleses de coracao frio eu espero ver neve de verdade antes de deixar esse pais. Nada valeria mais a pena em Londres do que ver aquela linda regiao perto do rio, onde fica o relogiao Big Ben, branca de neve. Entao eu teria visto as supremas extremidades temporais desta cidade, porque quando cheguei era pleno verao, quase mais quente que Salvador...
Passarei o natal ao abrigo do frio rigoroso, em Barcelona, a Bahia da Europa.
Vou deixar essa cidade em menos de um mes com a sensacao de nao ter visto tanto assim. Mas acho que eu tentei...

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

O pub e as cervejas

Faz pouco mais de dois meses que tive a sorte de arranjar este trabalho no pub. Nao que seja tao dificil assim arrumar emprego em Londres. Muito menos que meu duro labor seja tao bem remunerado. Dificil e achar um lugar tranquilo com pessoas tao legais como as que eu encontrei aqui.
Uma outra brasileira trabalhava aqui antes de mim, e ouvindo eu falar comigo mesma, alto e em portugues, puxou conversa. Eu contei que tinha deixado naquele mesmo dia um emprego num lugar horroroso, e ela me contou que estava voltando para o Brasil em breve e que eu poderia comecar a treinar para talvez ficar em seu lugar.
As primeiras pints - ja expliquei, lembram? Pint e a medida individual de um copo de MEIO LITRO de cerveja - que eu servi devem ter sido horrorosas, mas minha vontade de aprender era tamanha que logo entendi como o negocio funcionava. Cada cerveja tem a sua textura, cremosidade, tem um jeito diferente de ser tirada das "taps". Tem umas que fazem espuma demais, como a francesa Kronenbourgh, mas e so esperar assentar e depois continuar; outras tem que ser tiradas com o copo bastante afastado, senao fica sem nem o indispensavel dedo de colarinho.
A lendaria Guinness, cerveja preta irlandesa, tem grandes particularidades. A primeira delas e que e realmente preciso tira-la em duas etapas: deve-se encher tres quartos do copo e deixar a cerveja assentar por um minuto, mais ou menos. O liquido recem-extraido no copo tem o aspecto de uma tempestade, ou um mar barrento, e muito bonito. Depois disso a cerveja fica quase preta, meio avermelhada no reflexo, e com mais um menos um dedo de espuma. Esta espuma fica tao densa que e possivel desenhar nela com a propria cerveja - o desenho que se faz e uma "shamrock", ou um trevo, simbolo da Irlanda, que esta que vos fala sabe fazer, modestia a parte, muito bem.
E reza a lenda que uma Guinness com bolhas no topo era motivo de morte!

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Obama

No dia em que almocei com o meu amigo Louis, tivemos uma conversa muito especial. Nos dois nos encontramos toda semana para um almoco cujo mote e conversar em portugues. Ele viaja com a esposa todo comeco de ano para um encontro no Brasil, e de uns anos pra ca, comecou a estudar portugues. No primeiro desses almocos que tivemos, ele carregava um livro de Machado de Assis. Me espantei ao ver que era em portugues mesmo. Ha tantos anos eu estudo ingles e nunca fui capaz de ler uma obra inglesa no original. Sempre me deparo com uma frase deconhecida e deixo o livro de lado. O espanto se misturou com vergonha quando ele me perguntou quantos livros de Machado de Assis eu tinha lido. Ele leu a obra inteira, em portugues, enquanto eu so li um, Memorias Postumas de Bras Cubas, e poucos contos, desordenadamente.
Mas voltemos a conversa especial. Louis me contou que na semana passada, assistindo ao vivo as eleicoes americanas, ele ficou acordado ate as tres da manha para ver o resultado do estado que decidiria a vitoria de Obama ou nao. Pois o cara venceu, e ainda assim ele nao pode dormir, emocionado.
Eu nao acompanhei a campanha de Obama, nao ouvi seus dircursos, apenas li algumas noticias postumas na folha. Ouco muita gente falar, e o ponto principal que a maioria sustenta e o fato de ele ser negro, como se ser negro isentasse ele da possibilidade de corrupcao. Mas minhas confabulacoes crueis nao vem ao caso.
O fato e que Louis comecou a falar um pouco do que viveu nos Estados Unidos, e porque acompanhar a campanha de Obama tornou-se uma obsessao. Com dezesseis anos, em Memphis, ele vivia em plena segregacao racial. Lembra-se do assassinato de Martin Luther King, na cidade em que nasceu, e de amigos, negros e nao, perseguidos por apoiar o ativista. Portanto, a relacao dele com esse assunto e bastante emocional, e ele sabe que a eleicao de Obama representa um passo mais do que simbolico na historia mundial. Que ele vai fazer errado, isso agora ninguem pode dizer. Mas ninguem no aparthaid dos estados americanos do sul um dia pode imaginar que isso fosse acontecer.

21 anos

21 anos e tao importante na Inglaterra quanto... Quantos anos no Brasil? Nao senti nada de especial em nenhum aniversario que eu fiz, fora a felicidade propria de fazer aniversario. Talvez 18 tenha sido legal, foi quando pela lei eu pude beber e dirigir (nao, nao ao mesmo tempo). Aqui a festa e tamanha, que existe quase um silencio solene quando voce diz quantos anos vai fazer. 21 anos! Ganhei presentes de pessoas que nem esperava: dois clientes me deram caixas de bombons belgas, um deles com um cartao recheado com uma nota de vinte libras. Cartoes mesmo, ganhei 6. Dois copos de pint especiais (aos que nao sabem, pint - le-se paint - e a medida de um copo de cerveja, meio litro), um deles escrito em letras douradas "Feliz 21 anos". Meu chefe escreveu no cartao que me deu uma recomendacao especial: Fique bebada. Nao pude cumprir, ja que embora constantemente, bebo muito pouco aqui. Deve ser o tal instinto de sobrevivencia.
A coisa especial que eu fiz no meu aniversario (segunda, 10 de novembro) foi ter almocado e jantado decentemente, coisa que e raro acontecer. Almocei com meu amigo Louis, um americano radicado em Londres, professor aposentado de Historia da Africa, num restaurante italiano muito chique. Comi frutos do mar. A noite, encontrei um amigo brasileiro e caminhamos juntos pela chuva ate acharmos um restaurante decente. Deliciosa comida tailandesa...
A comemoracao propriamente deve acontecer na Espanha a partir de domingo. Chego em Madrid a uma hora da tarde, e vou encontrar outro amigo brasileiro, que por acaso faz aniversario na segunda - sera uma festa dupla. Vamos ate Valencia, onde ele esta trabalhando. Meu plano e cumprir a recomendacao do meu chefe. E quem viver, lera.

sábado, 8 de novembro de 2008

Aqui tambem rola

Ontem, quando tentava comprar uma passagem aerea pela internet, eu ouvi um grande estrondo que vinha la de baixo. Na hora parecia mais um dos estranhissimos ruidos desse bairro maluco que eu moro, Tooting, que tem vida propria na madrugada. O barulho se repetiu por mais umas sete vezes em intervalos cada vez mais curtos. Ate eu ouvir um monte de vidro se espatifando no chao.
Depois disso ouvi vozes, e em seguida, ja em panico, conclui que se tratava de algum ladrao tentando assaltar o pub. O apartamento onde eu moro fica em cima do pub onde eu trabalho. Gelada de medo, a primeira coisa que eu fiz foi trancar a porta do apartamento com todos os ferrolhos.
Fui acordar meu chefe, um rechonchudo irlandes e expliquei pra ele o que tinha ouvido. Alguns instantes depois ele mesmo ouviu provas do que eu dizia. Chamamos a policia, que chegou em cerca de 3 minutos. Quando o Frank desceu para ver - eu nao sairia de casa nem sob tortura! -, ja haviam pego um dos bandidos, o unico que ficou pra tras.
Amanha, domingo - alias, hoje, ja que sao cinco da manha - vem um policial me interrogar, ja que fui eu a primeira a perceber a presenca dos bandidos.
Pois essa organizada e rica cidade tambem tem sua ardilosa e violenta faceta. Nunca vi no Brasil tantas brigas como eu vejo por aqui. Religiosamente todo sabado a festa do clube vizinho termina com duas viaturas e dezenas de briguentos envolvidos. Aqui mesmo no velho pub Jack Beard's, nao e raro acontecer uma confusao. Geralmente e provocada por alguem que bebe e fala demais, como alias em todo lugar. Mas aqui eles bebem demais MESMO.
Todos os dias os jornais de metro mostram um novo adolescente assassinado por facadas - essa e a triste moda de Londres. Geralmente os meninos que morrem tem ate 18 anos - ja vi o caso de um de 13. E porque eles se machucam e se matam assim? Vai saber. Uma cliente que vem aqui umas tres vezes por semana revelou pra gente, num dia em que bebiamos no fim do trabalho, que seu genro foi esfaqueado e morto porque recusou um cigarro a um rapaz numa festa.
Falo aos que me perguntam que a violencia no Brasil acontece a luz do dia, mas tem um que de previsivel os crimes que a gente ve o povo brasileiro pobre cometer. Aqui nao. Na duvida, se alguem me pedir um cigarro, vou na banca mais proxima comprar.

*Me desculpem pela falta de acentos, escrevo do teclado britanico do meu chefe. Em breve dou um jeito de colocar tudo em portugues (quase) correto.